segunda-feira, 30 de novembro de 2009

Draculea o livro dos vampiros...


Contos de vários autores. Meu conto: O Rito do Caminho.

Nestor

Nestor


Certezas esmolambadas lambiam, a corroer, seus pensamentos. Nestor caçava algo que tivesse ordem quando ouviu gritos. Olhou de lado, ao longe, um cachorro a ladrar na rua vazia a tremer sombras.

Ora! Havia saído para se ver livre de um blasfemo dia. Gritos! Que gritos seriam aqueles? Ouviu também um rufar de asas a serpentear o céu. Uma coruja. Do jeito que amavam a noite... Procurou em volta de onde saiam os gritos que voavam em sua direção. Nada que lhe chamasse a atenção. Parou ainda um pouco esperando sinais, o silêncio, já sem vontade de revelar segredos, levou Nestor de volta a sua caminhada.

Nestor amanhecera a primeira vez quando saiu da casa da família. A luz do sol e as pessoas foram chegando:

"Então, Nestor, não vamos hoje ao cinema?" Chamou um vizinho do novo prédio, que conheceu quando se mudou.

"Depois, então, vamos dar uma olhada nos shoppings e procurar garotas. Há umas lindas, aguardando palavras de carinho." Continuava convidativo, o vizinho.

Nestor não renegou o convite, foi ver o filme e depois, lá estava ele no café do shopping. O amigo o apresentou a uma amiga.

"Guarde meu telefone, podemos sair uma hora dessas..." Ela lhe passou um cartão. Nestor guardou o número no bolso. Alguns dias depois, embora se sentindo amarrado, pensou em telefonar para a nova amiga, o que fez eventualmente. Marcaram um encontro.

Aonde ia Nestor naquela caminhada? A noite morna cheia de estrelas guardava o canto das fadas. Lembrou sua infância em Guadalupe e os pequenos bolos de lama, que dava forma aos seus brinquedos. Tudo escondido dos pais. Pequenos e imaginários carros a escorregar na lama. Caminhões e aviões feitos de papel, já nas mãos lavadas, limpas. Cresceu, trabalhou se formou e trabalhou muito. Agora marcava encontros e a amiga que se tornara sua noiva, sempre o acompanhava.




Nestor agora andava só e se lembrava dos gritos. Uma espiadela nos jornais, para que se tornassem reais, e não estivesse ouvindo coisas. Virou a porta pelas avessas e entrou em casa. Que mundo amordaçado aquele. Sem noticias, como saberia se ouvira aqueles gritos?

A noiva chegou e ele sorriu sem vontade. Entregava-se, estranho e distante a companheira.

"O que há Nestor? Está tão distante. Há algo errado?”

Malditos gritos que agora espantava sua companheira. Será que os ouvia?
"Não há nada errado, lhe garanto.”

Olhou em direção a cozinha como se pedisse um café. Coisa que a noiva foi de imediato servi-lo. Demoraram segundos entre a cafeteira elétrica e o quarto, onde, Nestor bebeu seu café. Acariciou o cabelo da noiva e a sentou no colo, assim ela pensaria estar tudo bem.

No outro dia, a noiva saiu cedo e ele resolveu não ir ao escritório. Teria de ir ver o que eram aqueles gritos.

Andou até o mesmo lugar que os ouvira. Os risos dos passantes demonstravam a felicidade na volta de suas farras. Será que nem naquela rua se ouvira gritos?
Rumou de volta para o caminho de casa. Voltaria, lá, na rua dos gritos à noite.

À noite, Nestor voltou à rua, escondeu-se nas sombras dos muros altos e das árvores. Ouviu um cachorro a ladrar novamente. Lembrava-se dos gritos, mas, só sua lembrança os ouvia. Um passante pediu a Nestor um fósforo, coisa que ele nunca tinha. O passante quis ainda puxar uma conversa. Nestor saiu da sombra e foi de volta para casa.

A noiva se preocupava, sem saber onde ele estava. Não havia ido ao escritório. Por quê? Ele agora estava a pensar nos gritos e não respondeu a noiva.

Há um mês que Nestor se afastara de todos, agora vivia na rua onde ouvira os gritos. Conhecia todos os moradores daquela área, sem nunca lhes dizer uma palavra. Vivia mais lá, que em casa. Perdera o emprego e a noiva por último; sempre ela chorava e ele não sabia o motivo. Já não sentia vontade de voltar para casa, queria viver naquela rua e ali mesmo dormiria.

Os passantes agora viam aquele mendigo na rua e lhes davam um pouco de comida. O dinheiro que recebia, guardava, num buraco da escada de um edifício. Para que dinheiro se queria saber de onde havia saído àqueles gritos.

Uma noite a coruja passou... ruflando as asas. E então viu um homem no escuro, coberto por uma capa, a arrastar pelos braços algo ou alguém que soltou um grito. Nesta noite, Nestor calmamente dormiu ali mesmo na calçada. Finalmente descobrira de onde haviam saído os gritos.